Teoria dos conjuntos e categorias

1. Teoria ingênua dos conjuntos

Exercício 1.1

Encontre uma discussão acerca do paradoxo de Russel e o entenda.

O paradoxo de Russel reside na instanciação de um conjunto, digamos \(R\), definido da seguinte forma:

São elementos de \(R\) todos os conjuntos que tem eles próprios como elementos, e nenhum outro.

Agora, supondo que este conjunto existe, uma das duas afirmações a seguir devem ser verdadeiras, pois uma é a negação da outra:

  1. \(R\) pertence a si próprio
  2. \(R\) não pertence a si próprio

Acontece que (1) não pode ser verdade, pois, pela própria definição de \(R\), este não é composto por conjuntos que pertençam a si próprios.

Então (2) deve ser verdade? Ora, se \(R\) não pertence a si próprio, então, pela definição de \(R\), ele deveria pertencer a si próprio, pois \(R\) é composto por todos os conjuntos que não têm a si próprios como elementos, contradição.

Assim, conjunto definido de tal maneira não pode existir.

Exercício 1.2

Prove que se \(\sim\) é uma relação de equivalência no conjunto \(S\), então a família correspondente \(\mathscr{P}_\sim\) definida em §1.5 é de fato uma partição de \(S\): ou seja, seus elementos são não-vazios, disjuntos e suas uniões resulta no próprio \(S\).

Primeiramente, vamos retomar algumas definições.

A classe de equivalência de um elemento \(a \in S\), referente à relação de equivalência \(\sim\) em \(S\) e denotada por \([a]_\sim\) é o conjunto:

\[[a]_\sim = \{b \in S | b \sim a\}\]

A família \(\mathscr{P}_\sim\) é o conjunto composto pelas classes de equivalências formadas com os elementos de \(S\):

\[\mathscr{P}_\sim = \{[i]_\sim | i \in S\}\]

Queremos provar que \(\mathscr{P}_\sim\) é uma partição de \(S\).

  1. Os elementos de \(\mathscr{P}_\sim\) não são vazios:

    \(\sim\) é reflexiva, então para cada elemento \(i\) de \(S\) temos a garantia de que a classe de equivalência \([i]_\sim\) tem pelo menos o elemento \(i\).

  2. Os elementos de \(\mathscr{P}_\sim\) são disjuntos:

    Suponhamos o contrário, que tais elementos não sejam disjuntos. Então existe um elemento \(k\) pertencente a duas classes de equivalência distintas \(P\) e \(Q\). Se \(P\) e \(Q\) são distintas, então sem perda de generalidade podemos dizer que existe um elemento \(x \in P\) que não pertence a \(Q\).

    Seja \(p \in S\) o elemento a partir do qual se gerou \(P\). Portanto \(k \sim p\) e \(x \sim p\). Como \(\sim\) é simétrica, então \(p \sim x\). Agora, como \(\sim\) é transitiva, temos que \(k \sim x\) e que, por simetria, \(x \sim k\).

    Seja \(q \in S\) o elemento a partir do qual se gerou \(Q\). Logo, \(k \sim q\). Ora, se \(x \sim k\) e \(k \sim q\), por transitividade temos que \(x \sim q\). Assim, \(x \in Q\), contradição.

  3. A união dos elementos de \(\mathscr{P}_\sim\), \(U\), é igual a \(S\):

    Suponhamos que existe um elemento de \(U\) que não pertence a \(S\). Este elemento deve pertencer a uma das classes de equivalência de \(\mathscr{P}_\sim\). Segundo a definição de classe de equivalência, todos os elementos de \(\mathscr{P}_\sim\) são conjuntos construídos tão somente a partir de elementos de \(S\). Contradição.

    Agora suponhamos que existe um elemento \(s \in S\) que não pertence a \(U\). Por reflexividade, temos que \(s \sim s\). Assim sendo, existe a classe de equivalência \([s]_\sim\) composta por, pelo menos, o elemento \(s\). Ao realizarmos a operação de união entre todas as classes de equivalência de \(S\) para computarmos \(U\), o elemento \(s\) pertencerá a \(U\). Contradição

Exercício 1.3

Dada uma partição \(\mathscr{P}\) no conjunto \(S\), mostre como definir uma relação \(\sim\) em \(S\) tal que \(\mathscr{P}\) é sua partição correspondente.

\[\sim = \bigcup_{P \in \mathscr{P}} P \times P\]

Ou seja, \(\sim\) é formada pela união dos produtos cartesianos dos elementos de \(\mathscr{P}\) por eles mesmos. Agora precisamos mostrar que \(S/\sim = \mathscr{P}\).

\(S/\sim\) é subconjunto de \(\mathscr{P}\): sejam \(Q\) um elemento de \(S/\sim\) e \(q \in Q\) tal que \([q]_\sim = Q\). Sabemos que existe um único conjunto \(P \in \mathscr{P}\) ao qual \(q\) pertence, pois todos os elementos de \(S/\sim\) são formados tão somente por elementos de \(S\) e \(\mathscr{P}\) é uma partição de \(S\). Vamos mostrar que \(Q = P\) e que, portanto, \(Q \in \mathscr{P}\).

\(\mathscr{P}\) é subconjunto de \(S/\sim\): seja \(P \in \mathscr{P}\). Vamos mostrar que existe um conjunto \(Q \in S/\sim\) com os mesmos elementos de \(P\) e que, como \(Q = P\), \(P \in S/\sim\).

Exercício 1.4

Quantas diferentes relações de equivalência podem ser definidas no conjunto \(\{1, 2, 3\}\)?

É a mesma quantidade de formas de particionar tal conjunto:

\(\{\{1, 2, 3\}\}\)
\(\{\{1\}, \{2, 3\}\}\)
\(\{\{2\}, \{1, 3\}\}\)
\(\{\{3\}, \{1, 2\}\}\)
\(\{\{1\}, \{2\}, \{3\}\}\)
 

Cinco diferentes relações de equivalência podem ser definidas no conjunto \(\{1, 2, 3\}\). Para um resultado genérico, o número de Bell diz quantas partições existem em um conjunto com uma quantidade arbitrária de elementos.

Exercício 1.5

Dê um exemplo de uma relação que é reflexiva, simétrica, mas não transitiva. O que acontece se você tentar usar esta relação para definir uma partição no conjunto?

\(S = \{1, 2, 3\}\)
\(\dot\sim = \{(1, 1), (2, 2), (3, 3), (1, 2), (2, 1), (2, 3), (3, 2)\}\)
\(S/\dot\sim = \{\{1, 2\}, \{1, 2, 3\}, \{2, 3\}\}\)
 

A tentativa de particionar \(S\) segundo \(\dot\sim\) não funcionou, pois os elementos de \(S/\dot\sim\) não são disjuntos.

Exercício 1.6

Defina uma relação \(\sim\) no conjunto \(\mathbb{R}\) dos números reais tal que \(a \sim b \iff b − a \in \mathbb{Z}\). Prove que se trata de uma relação de equivalência e encontre uma descrição convincente para \(\mathbb{R}/\sim\). Faça o mesmo para a relação \(\approx\) no plano \(\mathbb{R} \times \mathbb{R}\) definida por \((a_1, a_2) \approx (b_1, b_2) \iff b_1 − a_1 \in \mathbb{Z}\) e \(b_2 − a_2 \in \mathbb{Z}\).

\(\sim\) é uma relação de equivalência:

  1. \(\sim\) é reflexiva: \(\forall x \in \mathbb{R}, x - x = 0 \in \mathbb{Z} \implies x \sim x\).

  2. \(\sim\) é simétrica: sejam \(x_1\) e \(x_2\) números reais tais que \(x_1 \sim x_2\). Logo, \(x_2 - x_1 = z \in \mathbb{Z}\). Ora, \(-z\) também é um número inteiro pois é o produto de dois números inteiros, então \(x_1 - x_2 \in \mathbb{Z}\) e portanto \(x_2 \sim x_1\).

  3. \(\sim\) é transitiva: sejam \(x_1\), \(x_2\) e \(x_3\) números reais tais que \(x_1 \sim x_2\) e \(x_2 \sim x_3\). Sejam também \(z_1 = x_2 - x_1\) e \(z_2 = x_3 - x_2\) números inteiros (devido à definição de \(\sim\)). Acontece que \(z_3 = z_2 + z_1\) é a soma de dois inteiros e portanto também é um inteiro. Desenvolvendo: \(z_3 = x_3 - x_2 + x_2 - x_1 = x_3 - x_1 \in \mathbb{Z}\). Portanto, \(x_1 \sim x_3\).

Uma possível descrição de \(\mathbb{R}/\sim\) é um conjunto cujos elementos são as classes de equivalência de cada \(\epsilon\) real pertencente ao intervalo \([0, 1)\). Cada uma dessas classes é formada por todos os números reais cujas distâncias até o \(\epsilon\) referente são inteiras:

\[\mathbb{R}/\sim = \{[\epsilon]_\sim | 0 \leq \epsilon < 1\}\]

\(\approx\) é uma relação de equivalência:

  1. \(\approx\) é reflexiva: \(\forall x, y \in \mathbb{R}, x - x = y - y = 0 \in \mathbb{Z} \implies (x, y) \approx (x, y)\).

  2. \(\approx\) é simétrica: sejam \(x_1\), \(x_2\), \(y_1\) e \(y_2\) números reais tais que \((x_1, y_1) \approx (x_2, y_2)\). Logo, \(x_2 - x_1 = z_x \in \mathbb{Z}\) e \(y_2 - y_1 = z_y \in \mathbb{Z}\). Ora, tanto \(-z_x\) quanto \(-z_y\) também são inteiros pois são produtos de dois números inteiros. Então \(x_1 - x_2 \in \mathbb{Z}\) e \(y_1 - y_2 \in \mathbb{Z}\), logo \((x_2, y_2) \approx (x_1, y_1)\).

  3. \(\approx\) é transitiva: sejam \(x_1\), \(x_2\), \(x_3\), \(y_1\), \(y_2\) e \(y_3\) números reais tais que \((x_1, x_2) \approx (x_2, y_2)\) e \((x_2, y_2) \approx (x_3, y_3)\). Sejam também \(z_{x_1} = x_2 - x_1\), \(z_{x_2} = x_3 - x_2\) e \(z_{y_1} = y_2 - y_1\), \(z_{y_2} = y_3 - y_2\) números inteiros (devido à definição de \(\approx\)). Acontece que tanto \(z_{x_3} = z_{x_2} + z_{x_1}\) quanto \(z_{y_3} = z_{y_2} + z_{y_1}\) são somas de dois inteiros, cada um, e portanto também são inteiros. Desenvolvendo:

\(z_{x_3} = x_3 - x_2 + x_2 - x_1 = x_3 - x_1 \in \mathbb{Z}\)
\(z_{y_3} = y_3 - y_2 + y_2 - y_1 = y_3 - y_1 \in \mathbb{Z}\)
 

Então \((x_1, y_1) \approx (x_3, y_3)\).

Uma descrição para \(\mathbb{R^2}/\approx\) é o conjunto formado pelas classes de equivalência geradas a partir de pares \((\epsilon_x, \epsilon_y)\), de modo que tanto \(\epsilon_x\) quanto \(\epsilon_y\) pertencentem ao intervalo \([0, 1)\). Cada par \((\epsilon_x, \epsilon_y)\) gera uma classe de equivalência que contém os pontos pertencentes aos cruzamentos de um grid em \(\mathbb{R^2}\) centralizado em \((\epsilon_x, \epsilon_y)\):

\[\mathbb{R}/\approx = \{[(\epsilon_x, \epsilon_y)]_\approx | 0 \leq \epsilon_x < 1 \wedge 0 \leq \epsilon_y < 1\}\]

2. Funções entre conjuntos

Demonstração sugerida pelo autor

Se a função \(f\) é injetora e sobrejetora, então a inversão de \(\Gamma_f\) é o grafo de uma função.

Definamos a inversão de \(\Gamma_f\), \(\Lambda_f\), como o conjunto:

\[\Lambda_f = \{(b, a) \in B \times A | b = f(a)\}\]

Para mostrarmos que \(\Lambda_f\) é o grafo de uma função, precisamos provar o seguinte:

\[\forall b \in B, \exists !a \in A | (b, a) \in \Lambda_f\]

Mas antes de mostrarmos que existe um único \(a\), mostraremos algo mais fraco: que existe um \(a\). Isto é verdade porque \(f\) é sobrejetora, ou seja, deve existir \(a \in A\) tal que \(b = f(a)\) para todo \(b \in B\).

Agora vamos mostrar que \(a\) é único para cada \(b \in B\). Isto é verdade exatamente porque \(f\) é injetora, já que elementos diferentes de \(A\) devem ser mapeados em elementos diferentes em \(B\) por \(f\).

Proposição 2.1 (1)

Assuma \(A \neq \emptyset\) e seja \(f: A \rightarrow B\) uma função. Então \(f\) tem uma inversa pela esquerda se, e somente se, ela é injetora.

Se \(f\) tem inversa pela esquerda, então \(f\) é injetora

Se \(f\) tem inversa pela esquerda então existe \(g\) tal que \(g(f(a)) = a\) para todo \(a \in A\). Sejam \(a_1\) e \(a_2\) elementos de \(A\) tais que \(a_1 \neq a_2\). Temos que \(g(f(a_1)) = a_1\) e \(g(f(a_2)) = a_2\), ou seja, \(g(f(a_1)) \neq g(f(a_2))\).

Se \(f(a_1)\) fosse igual a \(f(a_2)\), \(g\) os enviaria para o mesmo resultado. Mas o oposto disto deve ocorrer. Então \(f(a_1) \neq f(a_2)\).

Se \(f\) é injetora, então \(f\) tem inversa pela esquerda

Construiremos uma função \(g: B \rightarrow A\) e mostraremos que ela é de fato uma inversa de \(f\) pela esquerda. Seja \(s\) um elemento qualquer de \(A\) (\(A \neq \emptyset\)). Definamos então:

\[g(b) = \begin{cases} a \leftarrow f(a) = b, a \in A\\ s \leftarrow b \notin \text{im}_f \end{cases}\]

Primeiramente vejamos por que \(g\) é de fato uma função. Para qualquer \(b \in B\), ou \(b\) é a imagem de algum \(a \in A\) segundo \(f\) ou não é. Em ambos os casos nós temos um valor para \(g(b)\) e assim varremos todo o conjunto \(B\). Se \(b\) é tal que se adeque ao segundo caso (\(b \notin \text{im}_f\)), o valor de \(g(b)\) é sempre o mesmo, \(s\). Caso contrário, pelo fato de \(f\) ser injetora, não podem existir elementos distintos de \(A\) que são mapeados em \(b\). Logo, \(a\) é único e portanto \(g\) é de fato uma função.

Agora vamos verificar se \(g\) é de fato uma inversa de \(f\) pela esquerda. Segundo \(g\), a imagem de um elemento \(y\) tal que \(y\) que é a imagem de um elemento \(x\) segundo \(f\) é o próprio \(x\). Logo \(g(f(x)) = x\) e portanto \(g \circ f\) é a função identidade.

Demonstração sugerida pelo autor

Se a função \(f: A \rightarrow B\) tem uma inversa pela direita e uma inversa pela esquerda, então tais inversas são a mesma função.

Sejam \(g, h: B \rightarrow A\) as inversas de \(f\) pela esquerda e pela direita, respectivamente. Mostraremos que \(\forall b \in B, g(b) = h(b)\). Seja então \(b\) um elemento qualquer de \(B\).

Como \(f\) é sobrejetora (proposição 2.1.2), deve existir um elemento \(a \in A\) tal que \(b = f(a)\). Já que \(g\) é inversa à esquerda de \(f\), \(g(b) = g(f(a)) = a\).

Como \(h\) é inversa à direita de \(f\), \(f(h(b)) = b = f(a)\). Temos agora que \(f(h(b)) = f(a)\) e, como \(f\) é injetora (proposição 2.1.1), \(h(b)\) deve ser igual a \(a\).

Concluímos então que \(g(b) = a = h(b)\).

Proposição 2.3

Uma função é injetora se, e somente se, ela é um monomorfismo.

Se uma função é injetora, então ela é um monomorfismo

Sejam \(f: A \rightarrow B\), \(Z\) um conjunto e \(\mu, \nu: Z \rightarrow A\) tais que:

\[f \circ \mu = f \circ \nu\]

Pela proposição 2.1.1, seja \(g\) a inversa à esquerda de \(f\). Façamos a composição pela esquerda e depois apliquemos a propriedade associativa:

\[g \circ (f \circ \mu) = g \circ (f \circ \nu)\] \[(g \circ f) \circ \mu = (g \circ f) \circ \nu\] \[\text{id}_A \circ \mu = \text{id}_A \circ \nu\] \[\mu = \nu\]

Se uma função é um monomorfismo, então ela é injetora

Seja \(f: A \rightarrow B\) um monomorfismo. Suponhamos que \(f\) não seja injetora, ou seja, que existam \(a_1, a_2 \in A\) tais que \(a_1 \neq a_2\) e \(f(a_1) = f(a_2)\). Definamos então \(Z = \{a\} \subset A\) e as funções \(\mu, \nu: Z \rightarrow A\) tais que \(\mu(a) = a_1\) e \(\nu(a) = a_2\). Desenvolvemos então:

\((f \circ \mu)(a) = f(\mu(a)) = f(a_1)\)
\((f \circ \nu)(a) = f(\nu(a)) = f(a_2)\)
 

Como \(a\) é o único elemento dos domínios de \(\mu\) e \(\nu\) e \(f(a_1) = f(a_2)\), temos que \(f \circ \mu = f \circ \nu\) e portanto devemos esperar que \(\mu\) seja igual a \(\nu\). No entanto, tais funções mapeiam o elemento \(a\) em valores diferentes \(a_1\) e \(a_2\) e, assim, são funções diferentes entre si. Contradição.

Demonstração sugerida pelo autor

Se \(f\) e \(\sim\) são respectivamente uma função \(A \rightarrow B\) e a relação definida em \(\forall a', a'' \in A, a' \sim a''\) \(\iff f(a') = f(a'')\), então \(\sim\) é uma relação de quivalência.

  1. \(\sim\) é reflexiva: \(f(a)\) é trivialmente igual a \(f(a)\) e portanto \(a \sim a\).

  2. \(\sim\) é simétrica: sejam \(a_1, a_2 \in A\) tais que \(a_1 \sim a_2\). Então \(f(a_1) = f(a_2)\) e portanto \(a_2 \sim a_1\).

  3. \(\sim\) é transitiva: sejam \(a_1, a_2, a_3 \in A\) tais que \(a_1 \sim a_2\) e \(a_2 \sim a_3\). Então \(f(a_1) = f(a_2)\) e \(f(a_2) = f(a_3)\). Logo, \(f(a_1) = f(a_3)\) e, assim, \(a_1 \sim a_3\).

Exercício 2.1

Quantas bijeções distintas existem entre um conjunto \(S\) com \(n\) elementos e ele próprio?

Selecionamos elementos de \(S\) em uma ordem qualquer. Para cada elemento selecionado, a quantidade de possibilidades para formar um novo par ordenado da bijeção é igual a \(n\) menos a quantidade de elementos selecionados previamente. Portanto, a quantidade de bijeções distintas é igual a:

\[n \times (n-1) \times (n-2) \times \dots \times 1 = n!\]

Exercício 2.2

Prove a afirmação (2) da Proposição 2.1: \(f: A \rightarrow B\) tem uma inversa pela direita se e somente se \(f\) for sobrejetora.

Se \(f\) tem inversa pela direita, então \(f\) é sobrejetora

Se \(f\) tem inversa pela direita, então existe \(g: B \rightarrow A\) tal que \(f(g(b)) = b\) para todo \(b \in B\).

Suponhamos que existe \(b^* \in B\) tal que \(b^* \notin \text{im}_f\). Para \(b^*\), não pode acontecer que \(f(g(b^*)) = b^*\). Contradição.

Se \(f\) é sobrejetora, então \(f\) tem inversa pela direita

Para cada elemento \(b \in B\) definamos o conjunto \(A_b \subset A\) composto pelos elementos \(a \in A\) tais que \(f(a) = b\). Isto é possível porque \(f\) é sobrejetora, então temos a garantia de que \(A_b\) nunca é vazio.

Proposição: Para todos \(b_1, b_2 \in B\) tais que \(b_1 \neq b_2\) temos que \(A_{b_1} \cap A_{b_2} = \emptyset\).

Prova: Suponhamos que existe um \(a^* \in A_{b_1} \cap A_{b_2}\). Como \(a^* \in A_{b_1}\), então \(f(a^*) = b_1\). Como \(a^* \in A_{b_2}\), então \(f(a^*) = b_2\). Contradição, pois \(f\) é uma função.

Assim, podemos fazer uso do axioma da escolha para instanciar uma função \(h: \{A_b | b \in B\} \rightarrow A\) que seleciona um elemento fixo \(a_{b, h}\) de cada \(A_b\). É importante ressaltar que \(f(a_{b, h}) = b\), pois \(a_{b, h} \in A_b\). Agora podemos definir \(g: B \rightarrow A\) segundo a lei de formação:

\[g(b) = h(A_b) = a_{b, h}\]

Note que \(g\) é uma função, pois:

Agora só precisamos mostrar que \(g\) é de fato uma inversa à direita de \(f\). Calculemos então \((f \circ g)(b)\):

\[(f \circ g)(b) = f(g(b)) = f(h(A_b)) = f(a_{b, h}) = b\]

Como \(b\) é um elemento qualquer de \(B\), \(f \circ g\) é a própria função identidade \(\text{id}_B\).

Exercício 2.3

Prove que a inversa de uma bijeção é uma bijeção.

Sejam \(f: A \rightarrow B\) uma função bijetora e \(g: B \rightarrow A\) a sua inversa. Se \(g\) é a inversa de \(f\), então \(g\) é a inversa de \(f\) pela esquerda (\(g \circ f = \text{id}_A\)) e pela direita (\(f \circ g = \text{id}_B\)). Mas notemos também as seguinte implicações:

Pelo Corolário 2.2, \(g\) é bijetora pois tem uma inversa (\(f\)) pela direita e pela esquerda.

Prove que a composição de duas bijeções é uma bijeção.

Sejam \(f: A \rightarrow B\) e \(g: B \rightarrow C\) duas funções bijetoras e \(h: A \rightarrow C\) a composição \(g \circ f\).

Exercício 2.4

Prove que isomorfismo é uma relação de equivalência.

Revisando o conceito de isomorfismo, dizemos que um conjunto \(A\) é isomorfo a um conjunto \(B\), e denotamos esta relação por \(A \cong B\), se, e somente se, existe uma função bijetora de \(A\) para \(B\).

Exercício 2.5

Formule uma definição de epimorfismo no mesmo estilo da definição apresentada para monomorfismo.

Uma função \(f: A \rightarrow B\) é um epimorfismo se, para todos os conjuntos \(Z\) e todas as funções \(\mu, \nu: B \rightarrow Z\):

\[\mu \circ f = \nu \circ f \implies \mu = \nu\]

Mostre que uma função é sobrejetora se, e somente se, ela é um epimorfismo.

Se uma função é sobrejetora, então ela é um epimorfismo

Sejam \(f: A \rightarrow B\), \(Z\) um conjunto qualquer e as funções \(\mu, \nu: B \rightarrow Z\) tais que:

\[\mu \circ f = \nu \circ f\]

Pela proposição 2.1.2, seja \(g\) a inversa à direita de \(f\). Façamos a composição pela direita e depois apliquemos a propriedade associativa:

\[(\mu \circ f) \circ g = (\nu \circ f) \circ g\] \[\mu \circ (f \circ g) = \nu \circ (f \circ g)\] \[\mu \circ \text{id}_B = \nu \circ \text{id}_B\] \[\mu = \nu\]

Se uma função é um epimorfismo, então ela é sobrejetora

Seja \(f: A \rightarrow B\) um epimorfismo. Suponhamos que \(f\) não seja sobrejetora, ou seja, \(\exists b \in B | b \notin \text{im}_f\).

Definamos \(\mu, \nu: B \rightarrow \mathcal{P}(B)\) de modo que:

\[\mu(b) = \{b\}\] \[\nu(b) = \{b\} \cap \text{im}_f\]

Desenvolvendo \((\mu \circ f)(a)\) para todo \(a \in A\):

\[(\mu \circ f)(a) = \mu(f(a)) = \{f(a)\}\]

Agora desenvolvendo \((\nu \circ f)(a)\) para todo \(a \in A\):

\[(\nu \circ f)(a) = \nu(f(a)) = \{f(a)\} \cap \text{im}_f = \{f(a)\}\]

Como \(\mu \circ f = \nu \circ f\) e \(f\) é um epimorfismo, então \(\mu = \nu\) e \(\mu(b) = \nu(b)\).

Mas, substituindo, \(\{b\} = \{b\} \cap \text{im}_f\) implica que \(b \in \text{im}_f\). Contradição.

Exercício 2.6

Explique como qualquer função \(f: A \rightarrow B\) determina uma seção de \(\pi_A\).

Revisando o conceito de seção, uma seção é uma inversa à direita de uma função sobrejetora. Primeiramente vamos mostrar que a projeção \(\pi_A: A \times B \rightarrow A\) é sobrejetora.

\(\pi_A\) é sobrejetora porque todo elemento da sua imagem é definido explicitamente como a primeira coordenada de algum elemento do produto cartesiano \(A \times B\).

Agora mostraremos que a seção de \(f\), \(s_f: A \rightarrow A \times B\), é uma inversa à direita de \(\pi_A\).

\[(\pi_A \circ s_f)(a) = \pi_A(s_f(a)) = \pi_A((a, f(a))) = a\]

Portanto \(\pi_A \circ s_f = \text{id}_A\).

Exercício 2.7

Seja \(f: A \rightarrow B\) uma função. Prove que o grafo \(\Gamma_f\) de \(f\) é isomorfo a \(A\).

Mostraremos que existe uma bijeção entre \(A\) e \(\Gamma_f\).

Seja \(g: A \rightarrow \Gamma_f\) a função definida como \(g(a) = (a, f(a))\).

\(g\) é injetora pois dados \(a_1, a_2 \in A\) com \(a_1 \neq a_2\), temos que \(g(a_1) = (a_1, f(a_1)) \neq (a_2, f(a_2)) = g(a_2)\).

Suponhamos que \(g\) não seja sobrejetora. Então existe \((a^*, f(a^*)) \in \Gamma_f\) e que não pertence ao conjunto imagem de \(g\). No entanto, \(a^* \in A\) e, como \(g\) é uma função, \(a^*\) tem imagem: \(g(a^*) = (a^*, f(a^*))\). Logo, \((a^*, f(a^*)) \in \text{im}_g\). Contradição.

Exercício 2.8

Explicite todos os termos da decomposição da função \(\mathbb{R} \rightarrow \mathbb{C}\) definida por \(f(x) = e^{2 \pi i x}\).

Aplicando a fórmula de Euler: \(f(x) = \cos(2 \pi x) + i \sin(2 \pi x)\). Se observarmos os argumentos das funções trigonométricas, pelo fato deles serem múltiplos de \(2\pi\), constatamos que o valor de \(f(x)\) é periódico, se repetindo a cada inteiro.

Por isso podemos utilizar a relação de equivalência \(\sim\) definida no exercício 1.6 para colocarmos nas mesmas classes de equivalência todos os elementos de \(\mathbb{R}\) que possuem a mesma imagem segundo \(f\).

Definamos então \(f_1: \mathbb{R} \rightarrow \mathbb{R}/\sim\) da seguinte forma:

\[f_1(x) := \{x^* \in \mathbb{R} | x - x^* \in \mathbb{Z}\}\]

Para a função seguinte, \(f_2: \mathbb{R}/\sim \rightarrow \mathbb{R}\), faremos uso do axioma da escolha para selecionarmos um representante de cada classe de equivalência de forma determinística: o mais próximo de zero dentre seus elementos não negativos.

\[f_2(X) := \text{arg min}_{x \in (X_{\geq 0})}(x)\]

E para o último passo definamos \(f_3: \mathbb{R} \rightarrow \mathbb{C}\):

\[f_3(x) := e^{2 \pi i x}\]

Sendo \(f = f_1 \circ f_2 \circ f_3\).

Exercício 2.9

Mostre que se \(A' \cong A''\), \(B' \cong B''\), \(A' \cap B' = \emptyset\) e \(A'' \cap B'' = \emptyset\), então \(A' \cup B' \cong A'' \cup B''\).

Sejam \(f_A: A' \rightarrow A''\) e \(f_B: B' \rightarrow B''\) bijeções, que existem devido aos isomorfismos pressupostos.

Definamos \(g: A' \cup B' \rightarrow A'' \cup B''\) como:

\[g(n) = \begin{cases} f_A(n) \leftarrow n \in A'\\ f_B(n) \leftarrow n \in B' \end{cases}\]

Primeiramente, \(g\) é uma função porque:

  1. Todo elemento de \(A' \cup B'\) é elemento de \(A'\) ou de \(B'\), portanto todo elemento de \(A' \cup B'\) tem uma imagem segunfo \(g\);
  2. Além disso, como \(A' \cap B' = \emptyset\), a imagem de todo elemento de \(A' \cup B'\) segundo \(g\) é única.

Agora mostraremos que \(g\) é bijetora.

\(g\) é injetora

Sejam \(n_1, n_2 \in A' \cup B'\) tais que \(n_1 \neq n_2\).

Em todo caso, \(g(n_1) \neq g(n_2)\).

\(g\) é sobrejetora

Seja \(m \in A'' \cup B''\). Mostraremos que \(m \in \text{im}_g\).

Como \(A'' \cap B'' = \emptyset\), temos que em todo caso \(m \in \text{im}_g\).

Conclua que \(A \amalg B\) é bem definido segundo isomorfismo.

Mesmo sem entrarmos nos detalhes de como \(A'\) e \(A''\) foram criados a partir de \(A\) nem de como \(B'\) e \(B''\) foram criados a partir de \(B\), ter que \(A' \cap B' = \emptyset\) e \(A'' \cap B'' = \emptyset\), tal qual demanda a definição de \(A \amalg B\), foi suficiente para mostrar que as uniões (disjuntas) de \(A'\) com \(B'\) e de \(A''\) com \(B''\) geram conjuntos isomorfos entre si, ambos candidatos para \(A \amalg B\).

Exercício 2.10

Mostre que se \(A\) e \(B\) são conjuntos finitos, então \(\vert B^A \vert = \vert B \vert^{\vert A \vert}\).

Faremos a demonstração por indução no tamanho de \(A\). Como \(0^0\) é indeterminado, começaremos com o caso base \(\vert A \vert = 1\).

Se \(A\) é unitário, a quantidade de funções possíveis de serem construídas é igual ao tamanho de \(B\): uma função pra cada elemento de \(B\). Então do lado esquerdo temos que a quantidade de funções é \(\vert B \vert\) e do lado direito o resultado é \(\vert B \vert^1 = \vert B \vert\).

Agora sejam \(n_A := \vert A \vert\) e \(n_B := \vert B \vert\) e suponhamos que existam \({n_B}^{n_A}\) funções de \(A\) para \(B\), ou seja, que a igualdade é válida.

Seja \(A' = A \cup \{a\}\), \(a \notin A\). Então \(\vert A' \vert = n_A + 1\). Para cada função de \(A\) para \(B\) podemos criar \(n_B\) novas funções de \(A'\) para \(B\), pois \(a\) pode estar relacionado com qualquer elemento de \(B\). Portanto a quantidade de funções de \(A'\) para \(B\), \(\vert B^{A'} \vert\), é igual a \({n_B}^{n_A} \times n_B = {n_B}^{n_A + 1} = {n_B}^{n_{A'}} = \vert B \vert^{\vert A' \vert}\).

Exercício 2.11

Mostre que existe uma bijeção entre \(2^A\) e \(\mathcal{P}(A)\), o conjunto das partes de \(A\).

Definamos \(g: 2^A \rightarrow \mathcal{P}(A)\) como:

\[g(f) = \{a \in A| f(a) = 1\}, f: A \rightarrow \{0, 1\}\]

\(g\) é injetora

Sejam \(f_1, f_2 \in 2^A\) tais que \(f_1 \neq f_2\). Então existe \(a \in A\) tal que \(f_1(a) \neq f_2(a)\) de modo que apenas umas das possibilidades é verdade:

Independentemente de qual for verdade, \(g(f_1) \neq g(f_2)\).

\(g\) é sobrejetora

Sejam \(S \in \mathcal{P}(A)\) e \(f_S \in 2^A\) tais que:

\[f_S(a) = \begin{cases} 0 \leftarrow a \notin S\\ 1 \leftarrow a \in S \end{cases}\]

Vamos calcular \(g(f_S)\):

\[g(f_S) = \{a \in A | f_S(a) = 1\} = \{a \in A | a \in S\} = S\]

Portanto qualquer elemento de \(\mathcal{P}(A)\) é imagem de algum elemento de \(2^A\).