Meditações (Marcus Aurelius)

Do reconhecimento às virtudes

05/07/2020

Eu quero começar esta série dizendo que estou bastante feliz por ter encontrado o trabalho de Marcus Aurelius. Não que seja difícil encontrar as coisas hoje em dia, mas pelo fato daquele ter passado pelo meu radar e me chamado a atenção o suficiente para que eu quisesse investigá-lo mais a fundo, para enfim chegar ao ponto de notar que queria de fato estudá-lo.

Devo afirmar que me surpreendi bastante com a figura de Marcus Aurelius. Tal surpresa, em verdade, se desdobrou em fases, o que me fez me sentir como uma criança que descobre mais uma forma de usar seu brinquedo. Organizando tais achados numa sequência, os listarei em seguinte:

  1. Este é hábil no pensar
  2. Este sabe escolher seus questionamentos
  3. Este é um exímio aprendiz

Considero grande dádiva poder escutar ou ler daqueles que pensam de forma livre e desimpedida. A razão clara bem parece com um córrego de água límpida, que é belo, flúido, simples, fácil de ver através e de acompanhar seu trajeto. Entretanto, de nada adianta uma razão afiada sem a disposição de questões frutíferas para se cortar e se ver através.

E por fim, a firmar meu gosto por sua obra, Marcus Aurelius se mostra uma pessoa capaz de i) reconhecer as virtudes daqueles que lhe compõem a vida e ii) se deixar influenciar por eles, a ponto de aprimorar sua conduta em direção a um ideal de vida refinadíssimo, assim o digo. Veremos então.

A obra é aberta com um agradecimento ao seu avô, Marcus Annius Verus I, do qual, diz, aprendeu a respeito da boa moral e do governo do seu temperamento. Tal importância suficiente para imbuir a primeira frase do primeiro livro é revisitada em diversos momentos por vir, evidenciando toda a energia empregada pelo autor na busca por ser uma pessoa equânime e inclinada para o Bem.

Transparece equilíbrio perante o que aprendeu de seus pais e dá destaque às características de sua mãe, à qual atribui inspiração à bondade, pureza e simplicidade. Imagino eu que, ao mencionar “os hábitos dos ricos” dos quais sua mãe mantinha distância, se refira aos vicios do luxo e da posse excessiva, da avareza e da soberba.

Me chama muita atenção as razões de sua gratidão a seu professor Junius Rusticus. Este o alcançou de modo a lhe fazer reconhecer a necessidade de trabalhar seu caráter e sua disciplina. À medida que expressa seus agradecimentos, ratifica o modo de vida estóico. Demonstra ainda grande força de espírito ao mencionar o respeito aos que lhe ofenderam por palavras ou atos. Reforça ainda a prontidão para se pacificar e se reconciliar com aqueles, assim que demonstrarem a intenção para tal.

Demonstra ainda grande admiração por seu pai, segundo ele, homem resoluto, humilde, determinado a examinar rigorosamente os pormenores das questões às quais se propunha a investigar “como se tivesse abundância de tempo, sem confusão, de forma ordenada, vigorosa e consistentemente”. Aponta ainda que não se tratava de alguém severo, implacável ou violento, mas sim, como demarca logo no início do penúltimo parágrafo, de temperamento suave.

O primeiro livro é finalizado com uma série de agradecimentos às fortunas de sua vida. De fato podemos observar a organização dos diversos elementos que se manifestaram em sua vida de modo a corroborar com a construção de uma fortaleza virtuosa. Mas cabe também em seu mérito o discernimento para tirar bom proveito do que se encontrava em sua disposição.

A partir do segundo livro Marcus Aurelius já demonstra falar da perspectiva de uma consciência expandida, sempre na busca por uma forma de melhor se orientar na vida, tanto interna quanto externamente. O faz, por exemplo, ao examinar como a parte se relaciona com o todo, provoca a investigação da natureza destes e extrai de tais divagações um discernimento acerca do Bem e do Mal.

O imperador sugere estarmos sempre preparados para nos depararmos com os ingratos, arrogantes e invejosos. Indica ainda que estes assim são por não saberem diferir o Bem do Mal, frisando a importância desta ponderação na vida de cada um. Além disso, nos provoca com um convite para que não nos injuriemos com a presença de pessoas assim, pois, nós somos feitos tais quais pés, mãos, olhos ou maxilares. Somos feitos para cooperarmos. Lança então uma forte máxima estóica: “agir contra o próximo é agir contra a natureza”.

Eis um grande desafio: nunca amargar-se perante os que se amargam com a vida! Já não lhes é suficiente o mal sabor que, por ignorância, já lhes causam às próprias vidas? Pois lhes faltam um bom exemplo de como viver em graça. E assim sugere o autor: “em cada momento pense firmemente… e aja com perfeita e simples dignidade, com o sentimento de afeição, liberdade e justiça”. Para agir segundo a razão e não a emoção em momentos assim, faz-se necessária a observação da própria mente, a fim de que não nos deixemos levar pelos antigos caminhos do descuido.

Marcus Aurelius elenca cinco atitudes daqueles que agem “como tumores no universo”:

  1. Agir irritadamente perante algo ou alguém, como se a parte fosse separada do todo;
  2. Dar as costas para o próximo, ou agir com a intenção de lhe ferir;
  3. Deixar-se dominar pelo prazer ou pela aversão;
  4. Manifestar-se de forma insincera;
  5. Fazer as coisas descuidadosamente, sem um objetivo claro.

Aponta ainda que tais são os traços de quem fere a própria alma. Mas que significado isso tem? Como pode um ferir o outro mas atingir a própria alma? Grande pergunta! Em suas próprias palavras, “qual a natureza de todas as coisas sensíveis?”. E pela sua capacidade de derivar tanta riqueza para a vida prática a partir da contemplação, sente-se empoderado e afirma com segurança:

O que é então capaz de conduzir um homem? Uma coisa e apenas uma: filosofia.

Fonte: The Internet Classics Archive